terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A limpeza do crack para a copa

A turbulente onda higienista da guerra contra o crack, na metrópole paulista, pode nos fazer repensar políticas e posicionamentos frente as causas e consequências deste fenômeno tão legitimamente humano, o consumo de substâncias alteradoras de consciência. Preocupante é imaginarmos a intenção e o rumo que tomarão tais atitudes. Será que o Estado ignora os diversos estudos antropológicos comprovando que em todas as civilizações houveram consumos destas substâncias, para acreditar, que haverá uma possibilidade da extinção do consumo de crack nas ruas da capital?
Fica muito difícil imaginarmos o controle do uso de uma substância, quando esta é considerada ilícita, a ponto que, do contrário, poderia-se avaliar a qualidade da própria substância e os locais de uso contingênciados, reduzindo, inclusive, os gastos em saúde pública.
Não sabemos se é mais aterrorizador presenciarmos, diariamente, usuários de crack vagando pelas ruas do centro como zumbis, numa situação claramente sem controle, ou se a angústia maior toma-nos ao observar discursos alegando que tudo se resolverá, a longo prazo, com medidas de atenção nos centros psicossociais, onde de fato a causa não pode ser trabalhada, e o que resta é lidar com as consequências. Não duvidemos da eficiência destes setores, no entanto lidar com a ponta do problema não nos parece a atitude mais inteligente a ser tomada.
A política repressiva ignora a forma orgânica da sociedade, onde tal fenômeno poderia ser encarado com um sintoma. Uma pandemia que excede inclusive a questão do próprio consumo de drogas. O funcionamento social psicótico, fora de controle que ultrapassa inclusive a questão de posses e poderes econômicos. O mundo inteiro sofre com as consequências da proibição das drogas, independente de sua posição econômica, quiçá por que esta acarreta consigo, não somente o fenômeno do contato do usuário com a substância, mas a violência, o tráfico de armas e de pessoas, o trabalho ilegal, etc. Certamente as drogas são mais lucrativas enquanto estão proibidas.
Não sabemos precisamente se a legalização aumentaria consideravelmente o número de usuários. Assim, também, não nos parece óbvio que a migração de preferências por determinada substância, seria estimulada se não houvesse a proibição. Do contrário, talvez o clichê ainda esteja em uso, onde o proibido estimule o desejo.
Porém, organizar-se em um combate contra dependentes químicos, descentralizando os albergues, e consequentemente os moradores de rua, desconsiderando questões centrais do problema, além de desleal e injusto, legitima o abuso do Estado quanto ao desrespeito civil e moral de cidadania, numa democracia sanitarista, onde a utopia e a falta de inteligência elitista, pinta a nova paulicéia do Brasil fu-turista.

3 comentários:

  1. Obrigada Felipe, pela sua colaboração em meu blog.
    Adorei seu post.

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  2. O sistema é perverso e não permite que uma pessoa mergulhada neste universo tenha espaço e seja reconhecida. Os tratamentos são pra poucos, e os que sobram – o resto – sofrem. Morrem, são mortos, retornam às “CASAS” e aos seus devidos lugares: à clausura

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