terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A limpeza do crack para a copa

A turbulente onda higienista da guerra contra o crack, na metrópole paulista, pode nos fazer repensar políticas e posicionamentos frente as causas e consequências deste fenômeno tão legitimamente humano, o consumo de substâncias alteradoras de consciência. Preocupante é imaginarmos a intenção e o rumo que tomarão tais atitudes. Será que o Estado ignora os diversos estudos antropológicos comprovando que em todas as civilizações houveram consumos destas substâncias, para acreditar, que haverá uma possibilidade da extinção do consumo de crack nas ruas da capital?
Fica muito difícil imaginarmos o controle do uso de uma substância, quando esta é considerada ilícita, a ponto que, do contrário, poderia-se avaliar a qualidade da própria substância e os locais de uso contingênciados, reduzindo, inclusive, os gastos em saúde pública.
Não sabemos se é mais aterrorizador presenciarmos, diariamente, usuários de crack vagando pelas ruas do centro como zumbis, numa situação claramente sem controle, ou se a angústia maior toma-nos ao observar discursos alegando que tudo se resolverá, a longo prazo, com medidas de atenção nos centros psicossociais, onde de fato a causa não pode ser trabalhada, e o que resta é lidar com as consequências. Não duvidemos da eficiência destes setores, no entanto lidar com a ponta do problema não nos parece a atitude mais inteligente a ser tomada.
A política repressiva ignora a forma orgânica da sociedade, onde tal fenômeno poderia ser encarado com um sintoma. Uma pandemia que excede inclusive a questão do próprio consumo de drogas. O funcionamento social psicótico, fora de controle que ultrapassa inclusive a questão de posses e poderes econômicos. O mundo inteiro sofre com as consequências da proibição das drogas, independente de sua posição econômica, quiçá por que esta acarreta consigo, não somente o fenômeno do contato do usuário com a substância, mas a violência, o tráfico de armas e de pessoas, o trabalho ilegal, etc. Certamente as drogas são mais lucrativas enquanto estão proibidas.
Não sabemos precisamente se a legalização aumentaria consideravelmente o número de usuários. Assim, também, não nos parece óbvio que a migração de preferências por determinada substância, seria estimulada se não houvesse a proibição. Do contrário, talvez o clichê ainda esteja em uso, onde o proibido estimule o desejo.
Porém, organizar-se em um combate contra dependentes químicos, descentralizando os albergues, e consequentemente os moradores de rua, desconsiderando questões centrais do problema, além de desleal e injusto, legitima o abuso do Estado quanto ao desrespeito civil e moral de cidadania, numa democracia sanitarista, onde a utopia e a falta de inteligência elitista, pinta a nova paulicéia do Brasil fu-turista.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Folha de São Paulo, 03/05/11 (Saúde)
Droga para deficit de atenção tem uso excessivo, diz estudo

Pesquisa com 6.000 jovens no Brasil aponta que a maioria dos usuários desse medicamento teve diagnóstico errado

Venda do remédio no país subiu 1.500% em 8 anos; efeitos colaterais incluem taquicardia e perda do apetite patrícia Britto

PATRÍCIA BRITTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quase 75% das crianças e dos adolescentes brasileiros que tomam remédios para deficit de atenção não tiveram diagnóstico correto.
O dado é de um estudo de psiquiatras e neurologistas da USP, Unicamp, do Instituto Glia de pesquisa em neurociência e do Albert Einstein College of Medicine (EUA), que será apresentado no 3º Congresso Mundial de TDAH (transtorno de deficit de atenção e hiperatividade), no fim do mês, na Alemanha.
A pesquisa colheu dados de 5.961 jovens, de 4 a 18 anos, em 16 Estados do Brasil e no Distrito Federal.
Os autores aplicaram questionários em pais e professores para identificar a ocorrência do transtorno, tendo como base os critérios do DSM-4 (manual americano de diagnóstico em psiquiatria).
As informações foram comparadas aos relatos dos pais sobre o diagnóstico que seus filhos receberam de outros profissionais, antes do período das entrevistas.
Só 23,7% das 459 crianças que haviam sido diagnosticadas com deficit de atenção realmente tinham o transtorno, segundo os critérios do manual. Das 128 que tomavam remédios para tratá-lo, só 27,3% tinham o problema, segundo os pesquisadores.
"Isso mostra que há muitos médicos prescrevendo o remédio, mas que não conhecem bem o problema", diz o neurologista Marco Antônio Arruda, coautor do estudo e diretor do Instituto Glia.
O remédio usado para tratar o transtorno é o metilfenidato, princípio ativo da Ritalina e do Concerta. A substância é da família das anfetaminas e age sobre o sistema nervoso central, aumentando a capacidade de concentração.
Entre os efeitos colaterais causados pela droga estão taquicardia, perda do apetite e o desenvolvimento de quadro bipolar ou psicótico em pessoas com predisposição.
Guilherme Polanczyk, psiquiatra da USP, relativiza a conclusão do estudo. "Muitas das crianças avaliadas podem estar sem sintomas por conta do uso dos remédios."

País terá mais um remédio contra o transtorno

DE SÃO PAULO

Um novo remédio para o tratamento de deficit de atenção começará a ser vendido no Brasil até o fim do mês.
Trata-se do Venvanse, do laboratório anglo-americano Shire. A droga é vendida nos Estados Unidos desde 2007.
O princípio ativo do medicamento é da família das anfetaminas, assim como o metilfenidato (Ritalina).
A diferença é que a nova droga é absorvida aos poucos na corrente sanguínea, o que aumenta a duração dos efeito, segundo a fabricante. De acordo com o neurologista Frank Lopez, especialista americano no tema que veio ao Brasil a convite da farmacêutica Shire, o efeito estável, sem "picos" e por 13 horas, desestimula o uso recreativo do medicamento.
"O metilfenidato tem ação imediata, o efeito começa e acaba rápido. É o que faz as pessoas quererem mais e abusarem", diz Lopez. O Venvanse tem como efeitos colaterais dor de cabeça, insônia e perda de apetite.
(GUILHERME GENESTRETI)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Aviso

O resfriado escorre qdo o corpo não chora.
A dor de garganta entope qdo não é possível comunicar as aflições.
O estômago arde qdo as aflições não conseguem sair.
O diabetes invade qdo a solidão doe.
O corpo engorda qdo a insatisfação aperta.
A dor de cabeça deprime, qdo as dúvidas aumentam.
O coração desiste qdo o sentido da vida parece terminar.
A alergia aparece qdo o perfeccionismo fica intolerável.
As unhas quebram qdo as defesas ficam ameaçadas.
O peito aperta qdo o orgulho escraviza.
O coração infarta qdo chega a ingratidão.
A pressão sobe qdo o medo aprisiona.
As neuroses paralisam qdo a "criança interna" tiraniza.
A febre esquenta qdo as defesas detonam as fronteiras da imunidade.

terça-feira, 22 de março de 2011

ótima discussão

irônico e sagaz

saúde pra dar e vender

Disbicicléticos

Emilio Ruiz Rodriguez - psicólogo


Dani é uma criança que não sabe andar de bicicleta. Todas as outras crianças do seu bairro já andam de bicicleta; os da sua escola já andam de bicicleta; os da sua idade já andam de bicicleta. Foi chamado um psicólogo para que estude seu caso. Fez uma investigação, realizou alguns testes (coordenação motora, força, equilíbrio e muitos outros; Falou com seus pais, com seus professores, com seus vizinhos e com seus colegas de classe) e chegou a uma conclusão: esta criança tem um problema, tem dificuldades para andar de bicicleta. Dani é “disbiciclético”.
Agora podemos ficar tranqüilos, pois já temos um diagnóstico. Agora temos a explicação: o garoto não anda de bicicleta porque é disbiciclético e é disbiciclético porque não anda de bicicleta. Um círculo vicioso tranqüilizador. Pesquisando no dicionário, diríamos que estamos diante de uma tautologia, uma definição circular. “¿Por qué lá adormidera duerme? La adormidera duerme porque tiene poder dormitivo”. Pouco importa, porque o diagnóstico, a classificação, exime de responsabilidade aqueles que rodeiam Dani. Todo o peso passa para as costas da criança. Pouco podemos fazer. O garoto é disbiciclético! O problema é dele. A culpa é dele. Nasceu assim. O que podemos fazer?
Pouco importa se na casa de Dani seus pais não tivessem tempo para dividir com ele, ensinando-lhe a andar de bicicleta. Porque para aprender a andar de bicicleta é necessário tempo e auxílio de outras pessoas.
Pouco importa que não tenham colocado rodinhas auxiliares ao começar a andar de bicicleta. Porque é preciso ajuda e adaptações quando se está começando.
Pouco importa que não tenha nas redondezas de sua casa, clubes esportivos com ciclistas que ele pudesse se relacionar ou amigos ciclistas no bairro que o motivassem. Porque para aprender a andar de bicicleta não pode faltar motivação e vontade de aprender. E pessoas que incentivem!
Pouco importa, enfim, que o garoto não tivesse bicicleta porque seus pais não puderam comprá-la. Porque para aprender a andar de bicicleta é preciso uma bicicleta. (Felizmente, os pais de Dani, prevendo a possibilidade de seu filho ser disbiciclético, preferiram não comprar uma bicicleta até consultar um psicólogo).
Transportando este exemplo para o campo da síndrome de Down, o processo é semelhante. Desde quando a criança é muito pequena, apenas um recém nascido, é feito um diagnóstico – trissomia do vigésimo primeiro par de cromossomos – por um médico especialista e verificado com uma prova científica, o cariótipo. A partir disso, entramos em um círculo vicioso onde os problemas justificam o diagnóstico que por sua vez é justificado pelos problemas.
Por que a criança não cumprimenta, não diz bom-dia quando chega nem adeus quando vai embora? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Achei que era mal-educada.
Por que a criança não se veste sozinha, tendo que sua mãe vesti-la e despi-la todos os dias, se já tem 8 anos? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não a tinham lhe ensinado.
Por que continua a tomar mamadeiras se já tem 6 anos? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Imaginei que era comodismo de seus pais.
Por que a criança não sabe ler? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não haviam ensinado.
Por que não anda de ônibus sozinha? “É que ela tem síndrome de Down”. Ah, bom! Pensei que não lhe permitiam fazer isso.
E assim, uma lista interminável de supostas dificuldades que, por estarem justificadas pela síndrome de Down, não necessitam de nenhuma intervenção, mas sim de resignação. Todas as suas dificuldades se devem a síndrome de Down.
Podemos estender a qualquer outra deficiência em que o diagnóstico médico ou psicológico pode ser utilizado como desculpa para nos eximirmos de responsabilidades. Se classificamos a criança como disfásico, disléxico, discalcúlico, disgráfico, discapacitado visual ou auditivo, mental ou motor, disártrico ou simplesmente disbiciclético, estamos fazendo algo mais do que ‘colocar um nome’ no que acontece com esta criança. Estamos criando expectativas naqueles que a cercam.
Por isso, eu sugiro que antes de comprar uma bicicleta para seu filho ou sua filha, comprovem que ele não é disbiciclético. Para que não coloquem dinheiro fora.


Texto extraído da Revista Síndrome de Down 22: p. 73, 2005. Traduzido do espanhol por Juliano R. Mombach.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Por que não conseguimos morrer em paz?

Às vésperas de comemorarmos o nascimento do maior símbolo divino representativo do mito cristão, será que não seria a hora de questionarmos também suas representações e trajetórias?

Ao pensarmos em natal, nascimento, inevitavelmente deveríamos pensar em finitude, em morte. Porém, isso não ocorre, possivelmente porque somos direcionados a grande questão sem resposta de comum acordo: Onde começa a vida? Será que somente quando somos paridos da barriga de nossas mães consideram-nos vivos?

Um embrião, uma célula, uma intenção, um planejamento familiar onde os pais já decidem por conta própria à personalidade desejada ou indesejada de seus filhos, poderia ser considerada a origem da vida?

Nós no ocidente estamos distantes do pensamento que coloca a morte num viés iminente, possivelmente por que somos impedidos socialmente em aceitarmos nossas limitações e finitude, que afeta todas outras espécies que vivem, viveram e viverão nesse organismo chamado Terra, num contínuo término ininterrupto, onde idealizamos o infinito e não intensificamos o presente em sua plenitude.

Isso nos faz vivenciarmos o luto com grande sofrimento. Essa não aceitação nos afasta da grandeza de experimentar-mos a morte em seu sentido simbólico e universal, já que esta é uma condição natural.

Podemos nos imortalizar de diferentes formas, por exemplo, em nossos parentes, em nossas palavras, em nossas idéias, artes, ofensas, ou seja, em tudo que fizemos em vida consciente e inconsciente. No entanto, nossa história nos convida a crermos em continuações que fogem a ordem biológica da espécie. Estratégias que usamos como bengalas de apoio a intermitente dor de ser.

Sentimos medo de morrer, e medo de perder alguém que gostamos, e por que não, medo de desejarmos a morte de outros. Mas afinal de contas, o que é viver? Conheço pessoas de meia idade que parecem ainda não ter nascido, e outras tão vívidas que contagiam com seu equilíbrio e lucidez os que partilham o mesmo espaço subjetivo, aos que lêem obras escritas a centenas de anos atrás.

Nossas fixações, que nascem como defesas do ego de experiências mal elaboradas, mal entendidas, sublimadas, somatizadas, reprimidas, fazem nos apegarmos em compulsividades e repetições que em um primeiro momento parecem ser uma saída, mas ao contrário nos prendem e nos impedem de vivenciar profundamente nossos mistérios, nossos desejos, nossas sombras.

Para aprendermos a morrer precisamos entender e introjetar o desapego, entendermos que a vida muitas vezes ultrapassa o estado físico, religioso, biológico, ideológico. Entendermos talvez que algo tão frágil pode ser concomitantemente forte. Que vivemos morrendo, e podemos morrer em plena vida.

Feliz Natal a todos os leitores!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mais amor ao próximo, por favor

Que sensação é essa que nos atravessa socialmente a ponto de não conseguirmos unir nossas revoltas, reclamações, indignações, ao ponto de queixarmos apenas individualmente, sozinhos na multidão?
Então a possibilidade da ação grupal costuma aparecer somente por passionais, como por exemplo, quando estamos torcendo por algum clube esportivo, religião etc. Porém, quando a indignação é política preferimos reclamar sozinhos, como quem fala com o vazio, como quem destrói mas não constrói.
Nesse sentido, acreditamos e fazem-nos crer que a democracia é exercida somente no ato do voto eleitoral. Não somos ensinados a pensar democraticamente e certamente nunca foi de interesse do Estado. Por isso talvez, vemos repetidos exemplos de oprimidos assediando outros oprimidos, de pessoas que reclamavam no passado e quando tomam o poder ainda insistem em agir do mesmo modo, com organizações hierárquicas piramidais, a organizações em rede, cooperativas. O empregado parece aceitar sua condição e sujeitá-la, porque no fundo acredita que um dia poderá ser patrão.
Quando vemos o estado de nossos transportes públicos oferecido à população, a massa trabalhadora em horário de pico, costumamos reclamar em silêncio, ou pior ainda, projetamos nossas angústias nos mais próximos, nos pares. Olhamos feio paras as cotoveladas espontâneas, paras as freadas bruscas, para quem dificulta a passagem, entre outros comportamentos que consideramos desagradáveis, mas não nos voltamos contra esses serviços a ponto de pensarmos algo que modifique a situação, pelo contrário, ainda estamos vulneráveis às constantes greves desse setor.
Que processo é esse que nos leva gradativamente a depreciar nossos patrimônios culturais e artísticos nacionais ao ponto de acreditarmos que às expressões modernas simplificadoras, obras produzidas a mares de distância, merecem mais nossos aplausos? Por que ainda preferimos os frutos das culturas colonizadoras?
O que será que nos impede de adentrarmos profundamente em nossa alma? Não considerarmos o outro nas mesmas condições quanto a capacidade e existência?
Alteridade e democracia, palavras que têm em si qualidades transformadoras e revolucionárias. Humildade e respeito, que idealizamos e talvez por isso distanciem-nos da prática minimalista e cotidiana. Ouvir, pensar, refletir, questionar, passos que ainda precisamos trilhar para uma sociedade menos hipócrita.
Humanizamos as coisas, e “coisificamos” pessoas, não de uma maneira poética como Manuel de Barros, mas sim de uma maneira incoerente como seres modernos e egoístas. Será que podemos considerarmo-nos evoluídos?
Quantas invisibilidades nos afetam num simples trajeto de casa ao trabalho? Abraços perdidos, sentimentos de irmandade nunca vividos. No momento em que olhamos um mundo que começa a repensar e coloca na balança o progresso e a destruição da natureza, poderíamos começar como o velho ditado, arrumando nossa gaveta.



publicado em outubro de 2010
disponível em: http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:3608405130733489::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:23030,Mais+amor+ao+próximo,+por+favor

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A vital contagem regressiva

Ao observarmos o engenhoso ritmo cotidiano de nossas modernas metrópoles, percebemos que o cidadão comum, imerso pela sociedade do espetáculo e de consumo, encontra infinitas justificativas e obstáculos que não o deixam parar, parar de consumir, parar de movimentar-se na lógica capitalista como uma simples peça de engrenagem, parar para perceber as ligações estabelecidas com o meio, sendo atravessado por patologias modernas como a depressão, estresse, e tantas outras. Neste afogamento, dificilmente percebemo-nos nesse homem sem saída, que encontra em suas distrações, ações que não o fazem refletir sobre a própria existência, sobre o desenfreado e sonoro estilo urbano que, ao mesmo ritmo, fazem-nos perder nossa subjetividade, como gotas que pingam de uma torneira mal fechada, tornando-nos cada vez mais maquínicos, anônimos, fúteis, onde a separação, o retiro e o silêncio são insuportáveis universos para se estar.
Onde as relações tornam-se, em sua maioria, objetais. As exigências intrusivas das vozes persecutórias que fazem o homem moderno buscar incansavelmente o sucesso, o lucro, o prazer imediato, impedem-no de compartilhar a desordem criativa, a liberdade de movimento, a rir de forma que alimente sua alma, a desejar intensamente e não apenas consumir e produzir lixo, a praticar o inesperado, a viver além do agora, a se libertar de comportamentos submissos, humilhantes e estereotipados.
A modernidade, com globalização, nos oferta mensagens de uma pseudo conexão mundial, onde utopicamente acreditamos ser capazes de entender como funciona ou se porta uma cultura distinta, distante geograficamente, e isso infelizmente nos faz criarmos comparações, transposições culturais; faz-nos julgarmos a partir de nossa própria cultura, e assim, criarmos verdades inquestionáveis, que não nos contradizem, pois em quase tudo que nos cerca como televisão, rádio etc, não há questionamentos, não há incertezas, pois estas parecem ser angustiantes, e nesses lugares se vendem os prazeres, os sonhos dos outros, as buscas inalcançáveis da felicidade.
Porém, vivemos incontestavelmente o pior período da espécie no planeta e ainda assim não mudamos significativamente nossos hábitos. Será que estamos depositando a salvação da Terra em algum herói, presidente, ou país? Por que ainda não chamamos a responsabilidade para si?
Então vemos Stephen Hawking, o maior metafísico do planeta, recomendar as viagens espaciais a fim de encontrarmos lugares onde a vida humana possa ser possível. Por que perdemos a esperança do futuro melhor, desencorajamos de acreditar em uma sociedade livre, onde a divisão social do trabalho deixaria de apoiar as fraturas dos trabalhos complexos, onde as tarefas consideravelmente simples seriam generalizadas, onde o dever seria apropriado por todos e por cada indivíduo, onde tivéssemos a tomada de consciência da produção e responsabilidade, por exemplo, do lixo nosso de cada dia?
Por que nos parece tão distante acreditar numa sociedade onde pudéssemos então protestar coletivamente de maneira política, onde o olhar individual perderia gradativamente sua importância ao nos darmos conta da importância da ligação com o todo, o meio ambiente, onde nossas ciências talvez deixassem de enxergar esse minúsculo recorte da realidade, e ao invés de focar, ampliaria, acreditando finalmente que a menor das ações humanas envolve necessariamente o todo, o cosmos? Quais mitos ainda vivemos na contemporaneidade que nos fazem sobreviver, aceitar, estimular e sustentar nosso estilo de vida tão ecologicamente degenerativo?


Publicado em outubro de 2010
http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:3851046947909905::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:22562,A+vital+contagem+regressiva

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O cronicamente inviável consumo sustentável

Vivemos ainda no sonho da pós revolução industrial que remontou a economia, que inventou o lucro, ironicamente proibido pelo cristianismo medieval, consequentemente o prejuízo, e é claro, as dívidas, nas fórmulas que não se valem apenas do mais importante do processo, o capital, mas dos movimentos funcionais que interferem de maneira idêntica em todo contexto humano, subjetivo, biológico, etc?
Ou entendemos o processo histórico, da espécie que de caçadora coletora nômade, e que em algum momento, cria a propriedade privada, e consequentemente tudo que nos cerca até hoje, presos numa lógica que continua beneficiando poucos e envolvendo o mundo todo?

Do sonho ao pesadelo, vemos atualmente que este sistema é tão nocivo ao ponto de prejudicar até quem se beneficia, e por isso, chegamos ao ponto de perceber que as grandes corporações começaram a considerar e a valorizar, visando lucros é claro, a diminuição das agressões causadas ao meio ambiente. Vemos, a todo o momento, que o insustentável agora é não enxergar mais a situação ecológica deprimente que vivemos, e, além disso, as empresas que ainda resistem a mudanças nesse sentido certamente vivenciaram uma queda progressiva da valorização. Surge então o capitalismo verde, que teoricamente visa à preservação ambiental, a responsabilidade social, e acredita em um comércio justo, mesmo com velha ampliação de lucros para os acionistas.

Mas como acreditar que é possível a vivência concomitante do capitalismo com um mundo melhor e menos agressivo? Então, nosso sistema que valoriza o consumo, a burguesia, está se tornando ecologicamente correto?

Possivelmente esse discurso ecológico serve, nesse sentido, como uma ação institucional, sendo assim, incompatível com a prática social, pois vivenciamos a cada dia, grandes empresas que vendem o consumo sustentável ao invés da diminuição do consumo como um todo, fato este que prejudicaria toda lógica capitalista, mas seria o comportamento mais justo e inteligente para uma ação relevante contra as degradações ambientais.

Mas, impressionantemente nas entranhas dessa estratégia de dominação capitalista, principalmente em nosso país, está o sentimento que derruba e nos cega para qualquer tipo de manifestação social que poderia transformar essa situação, a felicidade.

Se por um lado a embriagues do riso, e das festas nos trazem uma enorme sensação de pertencimento e familiaridade, também nos distanciam cada vez mais de qualquer tipo de movimento que rebata ou lute contra as grandes injustiças sofridas cotidianamente em nossas vidas, pois vivendo ainda velha receita do pão e circo, num país pobre, subdesenvolvido, onde tantas festas se tornam de importância cultural, nacional , etc, possivelmente para camuflar e afastar as angustias de maneira catártica, percebemos que a situação atual dificilmente tomará algum tipo de proporção contrária, que de fato possa trazer um bem estar social e ecológico.






texto pulicado em: 31/ago/2010
http://www.dgnews.com.br/beta10/f?p=181:4:3127802530905743::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:20191

O patrocionio da paixão

O drible, o suor que respinga na corrida pela disputa da bola, o balançar da rede, o grito de gol e a comemoração podem estar ofuscados por um fenômeno que dificilmente é entendido, mas ao mesmo tempo é implacavelmente sentido. É certamente o momento onde a paixão deixa de ser o esporte e passa a ser as relações que este envolve.

Com a aproximação de um dos eventos mais importantes desse País, a Copa do Mundo de futebol, podemos tentar refletir sobre os motivos implícitos e explícitos que desperta esse fenômeno de massa. E que faz o País praticamente parar durante 90 minutos ou mais, para assisti-lo.

Os brasileiros crescem ouvindo que moram no País do futebol. Até quem não joga muitas vezes gosta de assistir. Mas com essas corporações que o envolvem onde estará a poesia da bola?

O futebol é um dos esportes mais praticados no mundo inteiro, principalmente nas regiões pobres e subdesenvolvidas. Possivelmente devido às condições de estrutura dinâmica, já que são necessários somente bola, jogadores e marcações de gol, sendo que essa bola pode ser improvisada de infinitas maneiras, restando absolutamente a vontade de jogar.

Fator que seria melhor aproveitado se as pessoas encarassem esse dom como criativo, como um lazer, como um refúgio dos problemas. Porém, na maioria das vezes, é visto como uma possibilidade profissional, resultando em uma demanda altíssima e uma busca refinada. Ou seja, muitas crianças e adolescentes deixam de se preparar para outras possibilidades por enxergarem - fatalmente- no futebol, uma trilha para o sucesso financeiro.

A maioria da população brasileira torce por um time de futebol, vibra, chora, briga, respira e transpira as cores da flâmula. Como uma religião, os institucionalizados torcedores perdem gradativamente a noção de indivíduo. Por isso, algumas vezes, deixam de responder por si e o fazem pelo time, mesmo sem se darem conta.

Muitos encontram até uma forma de exercer a cidadania através do futebol, numa expressão de nacionalismo extravagante, que impõe a todo instante o velho ame-o ou deixo-o, que indiretamente diz também odeie quem não o ama. A famosa receita fascista da noção de pertencimento.

O fanatismo esportivo me faz pensar que, se um cidadão torcedor do time A que tem como rival o time B, dificilmente assumiria as habilidades, se, por exemplo, o melhor jogador do mundo estivesse atuando no time B. Ou seja, possivelmente o torcedor do time A, de tão identificado com o clube-instituição, não se dê conta que a paixão dele não está no futebol, como um esporte e suas complexidades, mas sim em uma equipe esportiva particular, demonstrando com isso que essa sensação de pertencimento é mais importante do que o próprio futebol.

Outra receita constante é o próprio espetáculo. Na enorme multiplicação de ícones e imagens emitidas enfaticamente pelos meios de comunicação, assistidos como rituais, e contendo peculiares hábitos de consumo, como por exemplo, em frente ao aparelho televisor ou estádio, comendo e bebendo uniformizados, louvando gritos pré-estabelicidos, e muitas vezes ensaiados.

Nessa esfera são gerados, também, personalidades, celebridades, que parecem preencher a falta na vida real do homem comum, transmitindo a sensação aventureira, de felicidade e pertencimento, conferindo a aparência de integridade e sentido na vida social, onde o bem estar está diretamente atrelado à prática do consumo. E, assim, podemos entender que o futebol pode muitas vezes ser encarado como um fenômeno de massas, uma ferramenta perversa do capitalismo..




texto publicado em: 03/mai/2010 com o título: O patrocínio da paixão pelo futebol

http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:1253075541923110::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:18570,O+patrocínio+da+paixão+pelo+futebol;

A repetição da culpabilização

Recentemente nossa sociedade acompanhou que algumas atitudes tendem a se repetir no processo histórico. O assassinato da menina Isabella Nardoni tornou-se de interesse geral e, depois de dois anos, o caso foi levado a júri popular.
Toda uma nação se comoveu ao vivenciar as dores causadas por esse crime brutal.
Poderíamos pensar o que levou tanta gente a acompanhar fielmente o julgamento como se fosse uma novela e a comemorar com bastante vibração a decisão final. Isso sem contar as dezenas de pessoas que passaram a semana em frente ao fórum para acompanhar de perto toda e qualquer movimentação. E que, ao saber do julgamento, comemoram a condenação com gritos eufóricos e fogos de artifício, como uma final de campeonato.
Será que esse comportamento, inconscientemente, nos isenta da culpa de pensar que, como estamos nas mesmas condições de humanos, poderia estar acontecendo a qualquer um de nós, mas não esteve? Temos infinitos exemplos de barbaridades na história cometidas por humanos.
O fato de encontrarmos um culpado possivelmente nos tranquiliza de tal culpa. No conto “O Alienista”, de Machado de Assis, o personagem protagonista, doutor Simão Bacamarte, acaba por julgar como loucos quase toda população da Vila de Itaguaí, internando-os em um hospital psiquiátrico. E, ao final, se descobre que o próprio doutor Bacamarte tem seus distúrbios psíquicos, mas considerava os outros como loucos a fim de ser considerado normal.
No Coliseu de Roma, os massacres eram acompanhados fervorosamente por um caloroso público. Na crucificação de Cristo, a maioria da população o apedrejava, insultava e apoiava os soldados. Na Idade Média, muitos foram queimados ou esquartejados em espetáculos a céu aberto. Atualmente, em algumas cidades onde existe pena de morte, as muitas pessoas disponibilizam seu tempo para acompanhar a execução da sentença ao vivo. Em todas essas ocasiões, estavam presente o ódio, a ira, mas por que será que existe tanta fixação em presenciar o espetáculo da culpabilização e punição? Por que é tão gratificante ver o outro ali num lugar que poderia ser seu? Clama-se por justiça conscientemente, mas o que está clamando o inconsciente?
Na atualidade, percebemos o quão lucrativo se torna noticiar episódios como o de Isabella. Vemos que alguns telejornais nos relembraram cotidianamente, durante a semana, o episódio, dando-nos a entender que não havia mais nada para ser noticiado.
Mas, afinal, que trabalho será feito como o casal julgado, dentro dos serviços penitenciários, a fim de reinseri-los na sociedade? O que esperar desses depositários de todo sentimento de raiva da sociedade? Como ficará a família dos acusados? E a mãe de Isabella, que, em consequência desta tragédia, viu sua vida ser devassada e virar caso de interesse público?
De uma coisa podemos ter certeza, haverá muitos outros casos semelhantes, onde pessoas se mobilizarão para condenar, julgar, punir e culpabilizar o outro, acreditando que estão fazendo justiça e se imunizando de qualquer culpa.

texto publicado em: 10/abr/2010
http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:6477058899909153::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:16704,A+repetição+da+culpabilização

A insustentabilidade do ser

Definitivamente estamos vivendo uma fase de transição do nosso planeta. Somos invadidos pela percepção de que nossa espécie poderá ser varrida do planeta de uma hora para outra. E buscamos quase obsessivamente o restabelecimento do equilíbrio da Terra.
Por que ainda esperamos as grandes corporações tomarem atitudes significativas para a redução dos danos ao planeta? Nessa lógica, inventaram até um termo – o ecologicamente correto -, que começou a ser muito vendido pelas grandes corporações.
Estamos já há alguns meses vivendo quase diariamente oscilações da temperatura. Ondas de calor que ultrapassam as médias históricas; temporais catastróficos que abalam nossas engenharias urbanas (como ruas, praças, avenidas e estradas); casas sendo alagadas ou destruídas... Mas mesmo assim ainda estamos engatinhando no processo de transformação de nossos hábitos cotidianos.
Será que estamos esperando que a salvação venha, por exemplo, de uma potência mundial, como nos filmes inspirados no tema? Pelo que vimos no encontro de Copenhague sobre o clima, isso pode estar longe de acontecer.
Tais transformações podem ser percebidas de diversos olhares, como, por exemplo, o mítico, o profético e o científico. De todas essas formas, tal evento nos afeta incansavelmente a todo instante. Vale, então, repensar nossa humilde forma de ser humano!
O que nos espera? O que devemos esperar? Quais dessas perguntas cabem melhor nesse momento tão decisivo? Ou será melhor parar de perder tempo com elocubrações que não levam a nada e agir, de forma rápida e consciente, levando em conta que, já há algum tempo, vivemos um afastamento de tudo que é natural e que circunda o planeta?
Em nosso conceito civilizatório, deixamos de lado espaços significativos no que se refere aos elementos da natureza como um todo. Historicamente, poderíamos culpar a revolução industrial como um momento marcante nos danos que a espécie humana vem causando à natureza. Porém, antropologicamente, vemos que sempre houve tribos arcaicas que se preocupavam simplesmente com a proliferação da espécie, degradando os recursos naturais que lhe cercavam, não tendo, assim, hábitos de conservação do meio ambiente.
Se, de fato, nosso planeta for como um organismo pertencente a todos que o envolvem - assemelhando-se, assim, a um corpo -, nossa espécie pode ser considerada como uma doença grave, que afeta de forma drástica todo o sistema. E os habitantes que vivem nele estão envolvidos.
Se usarmos a lógica que o planeta está dentro de nós, estamos sendo destruídos pelo mesmo mecanismo. Basta ver as epidemias que surgem e ressurgem, numa cadeia infinita de relações em que hoje não compete mais encontrar um culpado. Devemos, isso sim, repensar a maneira de existir.
Atualmente, nas grandes metrópoles a população que mora sozinha cresce significativamente. A maioria dos jovens casais não sonha mais em ter filhos. Não se pensa muito no futuro das próximas gerações. O que prevalece é o interesse individual de ter, por exemplo, uma carreira de sucesso. E, quando se pensa na natureza, é muitas vezes apenas com interesses comerciais, principalmente agora que a moda dita esse tom.


texto publicado 24/mar/2010 com o título: A insustentabilidade do ser humano

A utópica divisão entre ecologia e economia.

Há algum tempo percebemos discussões, reflexões e questionamentos sobre o que virá primeiro, o colapso econômico ou o colapso ecológico? Entendo, por assim, que são fenômenos iminentes em nosso tempo.
Talvez seja um tanto esquizofrênico separar a ligação entre esses setores. Ultimamente acompanhamos com freqüências catástrofes que afetam explicitamente de maneira direta as questões financeiras, como por exemplo a extensa fumaça de cinzas causada pelo vulcão na Islândia, que interrompeu o funcionamento dos aeroportos durante dias; a explosão da petrolífera no golfo do México, que se alastra e toma proporções gigantescas e devastadoras, desperdiçando petróleo e contaminando o meio; a umidade relativa do ar que tem oscilações anormais, causando stress, desanimo e consequentemente modificando a produção econômica; e outros tantos exemplos.
Algumas perguntas também não querem calar, como por que isso aconteceu? Sempre foi assim? Conseguiremos reverter essa situação?
Para isso vale a pena lembrar Shakespeare dizendo que no lugar de elaborarmos nossos problemas, ou melhor, atiramos nosso passado no abismo mas não nos inclinamos para verificar se está bem morto, alimentando, assim, cada vez mais, a nossa sombra, a nossa neurose. Por isso, não podemos separar nosso funcionamento psíquico do mundo externo, do universo, tampouco do mundo orgânico interno, microscópico. Se nossa sensibilidade nos permitir, veremos que em nossos sonhos, além de estarem contidos os conteúdos inconscientes, que podem nos ajudar na compreensão de si mesmo, somos influenciados pelo todo, pelo que chamamos de ambiente externo. Ao sonhar criamos imagens, situações oníricas, sensações, também conforme a temperatura, os barulhos, ruídos, ou qualquer outro estilo que venha do nosso quarto, casa, bairro, cidade, pais, planeta. Somos todos um mesmo organismo, possivelmente particular, mas ainda sim, partes de um todo, que denominamos de cosmos.
Em uma micro-análise, quando observamos os funcionamentos quânticos, atômicos, celulares, vemos várias semelhanças com funcionamentos de corpos macros. Nosso pensamento ocidental e moderno nos convida a uma divisão utópica de mundo, desfragmento elementos a fim de estudá-los, e se distanciando, assim, cada vez mais, da sensação de pertencimento nas diversas relações como eu-si mesmo, eu-outro, eu-natureza, eu-sociedade, eu-pais, pais-paises, etc.Todos como partes de um corpo fugiríamos do olhar individual, que não compreende as complexidades existenciais, que busca incessantemente provas mensuráveis, calculáveis , não percebendo as ligações rizomáticas, sincrônicas, das combinações inseparáveis que fazem a soma das partes ser maior que o todo.
Possivelmente com essa sensação de pertencimento causaríamos menos destruições ao planeta, e certamente seriamos mais conscientes sobre a importância do ser, enxergando nossa participação em tudo que existe, apropriando-se da responsabilidade que isso envolve. Acontece que, como muitas idéias de coletividade, de público, onde acreditamos que algo é de todos, acaba sendo de ninguém, numa dicotomia doente entre tudo e nada, que nos cega, e nos isenta dessa responsabilidade, enxergando somente o individuo, o umbigo, no lugar da cultura, do todo.


texto publicado em 2010
http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:202506426924331::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:17958,A%20ut a%20divis entre%20ecologia%20e%20economia.

Psicologia do esporte

Considerado um dos principais fenômenos do século XX, o esporte possibilita espaços de alta visibilidade, não somente para que o pratica literalmente, mas também para quem investe, assiste e comenta, tornando-se a cada dia, um forte ícone de movimentação monetária ao redor do mundo. Vemos que a prática esportiva, também, traz benefícios psicológicos e sociais como, por exemplo, coesão grupal, fortalecimento da personalidade e identidade, autoconfiança, motivação entre outras. No entanto, gostaria de destacar algo que passa quase despercebido nas equipes esportivas; a chamada psicologia do esporte.
O que acontece com um time líder do campeonato, a poucas rodadas do final, deixar escapar um título? Bem, certamente, umas série de fatores podem estar envolvidos, porém, em nosso país raramente pensamos que uma das causas mais importantes pode ser o fator emocional. Exemplos não nos faltam, pois já presenciamos muitas ocasiões onde os atletas em suas melhores formas físicas e técnicas, acabaram por não conseguir executar com excelência sua função, ou na pior das hipóteses, perdem a cabeça e se descontrolam, agredindo verbal ou fisicamente o oponente, o companheiro, o árbitro, etc.
No Brasil, a psicologia do esporte começa a ter destaque na década de 90, onde alguns psicólogos foram chamados para trabalhar junto a equipes de nível nacional, principalmente o futebol. Acontece que infelizmente, percebemos certa diminuição dessa atividade nos grandes times, onde parece ser mais importante o treinamento técnico e físico, deixando de lado as questões emocionais, entendendo o homem semelhante ao século XVII, onde o pensamento cartesiano dividia-o em corpo e mente.
Um país, prestes a sediar a maior competição esportiva do mundo, se encontra "engatinhando" quando pensamos em preparação integral de atletas, mesmo assim muitos atletas-fenômenos surgem, e tornam-se heróis da pátria, mas podemos contar nos dedos quantas equipes recebem e se mostram preparadas para lidar com situações adversas, tanto individualmente quanto em grupo.
Quem for investir em esporte do futuro, não poderá deixar de lado tais questões tão importantes.
Atualmente em nossa prata da casa, o futebol, raramente são vistos psicólogos atuando em grandes equipes, e quando o fazem, diversas vezes se preocupam em focar o tal "pensamento positivo", hipnose, e demasiadas aplicações de testes, que tendem a visualizar apenas o rendimento e resultado do atletas, deixando a psicologia do esporte cada vez mais ultrapassadas perto do padrão europeu e cubano, onde o atleta é visto como participante de um todo bio-psico-social, que pensa, sofre, têm dúvidas e certezas, paixões, manias, etc., que não conseguem ser mensuradas em gráficos, tão pouco em uma visão objetiva.
Não é raro encontrarmos processos de contusão sofridos por atletas, que, do ponto de vista médico não possuem diagnóstico clínico real, demonstrando claramente alguma somatização psíquica. Ou atletas que enfrentam queda do desempenho, e esta é ligada estritamente com a questão de treinabilidade física.
Por algum motivo, deixamos de dar importância ao fator mental, e assim continuamos arrumando desculpas para tentar explicar os motivos de, por exemplo, certo atleta não ter um desenvolvimento satisfatório em um jogo decisivo, ou de lesões acontecidas às vésperas de uma final.


texto publicado em 22/dez/2009
http://www.diariodeguarulhos.com.br/jornal/dgnews/jornal/materia.jsp?id=10431&ca=50

A verdade sobre o tempo

Segundo estatísticas do IBGE, atualmente em nosso país a população de idoso está em torno de 14,5 milhões sendo 8,6% da população. Vemos também que a Organização Mundial de saúde (OMS) estima que até o ano de 2025, a população idosa crescerá 16 vezes, contra cinco da população total. No entanto, em que situação se encontra a maioria dessas pessoas? Será que conseguimos observar o que a velhice tem a nos dizer?
O processo de envelhecimento é subjetivo, onde o individuo tem a capacidade da evolução de um estado infantil, conseguindo se identificar cada vez menos com os valores do meio, e ASSIM pode passar a considerar as orientações emanadas do si-mesmo com maior veracidade e confiança. Todavia vemos que talvez não estejamos preparados para conviver tranquilamente com essas questões. Possivelmente nossas dificuldades de entender os idosos, emergem de uma incompreensão do que é a velhice para cada um, pois o envelhecimento traz consigo dificuldades para realizarmos tarefas cotidianas, certo declínio cognitivo, dependência, e alguns problemas de saúde. Certamente quanto mais se vive mais se vê a morte dos próximos, tendo assim a saudade como uma eterna companheira.
No mundo onde a estética, a velocidade, a juventude, e o novo têm um lugar privilegiado, os idosos parecem não ter espaço. Em nossa sociedade vemos aumentar a cada dia a violência contra idosos. Pesquisas nos mostram que metade dos casos de violência relaciona-se a abuso psicológico, incluindo abandono e negligência. As vítimas desses abusos sofrem constantemente uma diminuição da plasticidade comportamental, acarretando na diminuição das reações e recuperações de eventos estressantes, podendo assim se agravar conforme as recorrências dessas situações.
Não encarar o idoso e suas necessidades, é de certa forma não olhar para o próprio processo de maturação. Em geral muitas pessoas sentem medo de envelhecer, pois vêem esse processo como uma limitação da vida, e preferem ignorar os idosos, pois estes podem mostrar que um dia poderá se tornar idoso também, colocando assim o idoso em uma posição de “invalidez” na tentativa de deixar a velhice menos ameaçadora.
O avanço tecnológico e da medicina, vem nos proporcionando um aumento significativo em nosso tempo de vida, no entanto mesmo com alguns espaços destinados aos idosos como, por exemplo, grupos de terceira idade parecem não ser suficiente para uma saudável condição psíquica, pois são na maioria das vezes excluídos socialmente, além de não receberem atenção necessária, o idoso de hoje é comparado muitas vezes á uma criança por sua dependência para realizar uma infinidade de tarefas, não tendo voz e perdendo sua autonomia.
Como fica o sujeito que trabalhou grande parte de sua vida em uma instituição, criando sonhos, laços afetivos, relações sócias, quando chega a hora da tão esperada aposentadoria? Acostumado com sua antiga rotina, o aposentado se vê bruscamente lançado em um novo mundo, onde terá que construir novos objetivos, sonhos e uma nova identidade, diferente daquela a qual se habitou a apresentar.
Em nosso dia a dia, ignoramos o fato irreversível que a vida é sempre movimento, sendo assim não poderemos jamais vencer o tempo. Ou seja, se nossa vida não for interrompida, chegaremos à velhice inevitavelmente, e agindo desse nosso modo ocidental, talvez devêssemos repensar quais exemplos estamos mostrando aos jovens de amanha

texto publicado em 23/out/2009 com o título: O tempo começa a chegar para os idosos
http://www.diariodeguarulhos.com.br/jornal/dgnews/jornal/materia.jsp?id=8684&ca=50

O pacto de silêncio da perseguição psíquica- Assédio Moral

Caracteriza-se como assédio moral os maus-tratos que os indivíduos sofrem, principalmente, em seu meio de trabalho, fruto de uma lógica perversa manifestada em ações autoritárias e destruidoras das convivências pacíficas nesse ambiente. Esse terror psíquico envolve também relações amorosas, familiares, laborais, e sociais, mas é no ambiente de ambiente de trabalho que este acaba ganhando maior veemência.
Todavia vemos que toda conduta abusiva que se manifesta em palavras, atos, gestos, explícitos ou implícitos acarretando à integridade física e/ou psíquica, à dignidade afim de por em risco o emprego ou degradar o ambiente de trabalho, desde que essas condutas abusivas aconteçam de forma recorrente e sistemática.
Com freqüência percebemos que tais ações têm normalmente uma tendência ambígua, dissimulada, características especialmente perversas. Um olhar, a ausência de respostas, o sorriso sarcástico, o discurso aparentemente inofensivo que põe a prova incansavelmente questões como competência e valorização para o cargo, são gestos quase imperceptíveis utilizados pelo abusador. Vale ressaltar que esse comportamento se dá tanto dos superiores para os subordinados, quanto ao contrário e entre os pares.
Sempre existiram aspectos subjetivos conflitantes nas relações subjetivas, envolvendo sutis e mascarados abusos de poder, pensamos que talvez esse abuso apareça ao mesmo tempo da criação do trabalho. Pesquisas mostram relatos de maus-tratos e crimes contra a honra acontecendo em nosso país desde escravidão, passando pelo período de imigração, até os dias atuais. A industrialização no Brasil trouxe marcas das precárias relações de trabalho, onde os indivíduos não reconheciam seus direitos, tendo uma carga horária excessivamente alta, ilegalidade da mulher e de crianças sofrendo constantemente humilhações.
A modernidade com suas metas desproporcionais, cobranças excessivas por produção, exigências por adequações para várias funções simultâneas, na medida em que se tornam mais violentas, ásperas e cruéis, excedendo as proporções reais e funcionando de acordo com a lógica do grupo de trabalho, pode ser considerado também como um assédio moral.
A vítima do assedio moral vive quase que cotidianamente o dilema entre aceitar o abuso e manter o emprego, ou denunciar e perde-lo, além de sofrer conseqüências como sentimento de persecutoriedade, desestabilização, pressão, isolamento, estresse, raiva, insônia, tonturas, perda de concentração, irritação, distúrbios psicossomáticos, medo, queda na produção ou na qualidade do serviço prestado, além de sofrerem mais acidentes de trabalho. Importante salientar que as conseqüências crescem concomitantemente a duração do assédio.
Os indicadores nos mostram que os trabalhadores dos setores bancários, da saúde, de telemarketing e principalmente na educação, estão mais sujeitados a viver este tipo de evento. O sexo feminino aparece com maior predominância das vítimas.
O abusador perverso acredita de alguma maneira possuir certo poder sobre essas pessoas. Vêem em seu cargo, um espaço onde pode ocupar o papel social de dominador, possivelmente por suas dificuldades inconscientes no que diz respeito à vida afetiva, amorosa, pessoal, e como um ser social. Pessoas com tais características, hipoteticamente se relacionam de maneira muito peculiar em sua vida sexual, e dificuldade no contato com as artes.
Infelizmente estamos inseridos em uma cultura onde naturalmente aceitamos “engolir sapos” em nossas relações de trabalho, por isso nossos trabalhadores se tornam possivelmente mais vulneráveis a sofrer esse tipo de violência. Ademais a vítima deve tentar buscar apoio em seus familiares e colegas, além de procurar o sindicato e outras instâncias como a justiça do trabalho e a comissão de direitos humanos, reunindo provas a serem apresentadas.



texto publicado em 30/set/2009
http://www.diariodeguarulhos.com.br/jornal/dgnews/jornal/materia.jsp?id=8150&ca=50;

A idade da insensibilidade

Em meados do século passado, Clive Backster mostrava ao ocidente a significativa habilidade sensorial de um simples vegetal. Em um de seus experimentos pode-se constatar que algumas plantas tiveram uma relevante reação (medida pelo polígrafo) a partir da entrada de uma aranha no laboratório, provando com isso a percepção extra-sensorial contida nesses seres. Fato que havia passado despercebido por Darwin.
Incrível! No entanto enquanto nós médicos, psicólogos, assistentes sociais, direcionamos nossas intenções para um olhar macro e para um bem-comum, nem sequer conhecemos a pessoa que mora na casa ao lado.
Fora de nossos papéis, trivialmente alimentamos a prática condenável da invisibilidade social, ao ponto de trancarmo-nos em nossos carros, não percebendo quantas coisas acontecem lá fora. Temos a sensação de poder e egoísmo, incrivelmente semelhante a nossa vida intra-uterina.
Que tamanho tem essa venda que usamos para deixarmos de enxergar as misérias humanas escancaradas na sarjeta da sociedade?
Fechamos nossas portas, as janelas, trancamos nossas casas, naturalmente com um temor instintivo de alguma invasão. E como não poderia deixar de ser, tornamo-nos estranhos e raros quando em devaneio abrimos o coração para alguém.
Nos dias de hoje pensar muito e refletir, facilmente pode ser encarado como uma “perda de tempo”, assim, esse último se torna tão escasso, que nos preocupamos em gastá-lo com outras coisas consideradas mais importantes.
Naturalmente nos pegamos falando frente ao computador, mexendo em uma máquina ou simplesmente assistindo uma partida de futebol na televisão, mas é só conversarmos um pouquinho com nossos cães, gatos e plantas que facilmente somos encarados como “loucos”. O avanço tecnológico aproximou os negócios, pois facilitou a rapidez em qualquer transação econômica, e ao mesmo tempo distanciou as pessoas, por que cada vez menos nos movemos para um encontro pessoalmente, mas virtualmente estamos disponíveis quase que durante o dia todo. Lembro-me que há tempo soube de um pequeno povoado do pólo norte que em seu dialeto não existia a palavra “eu”, muito supostamente por que não conseguiam fazer nada sozinhos. Por outro lado, somente a partir do século IX, o ocidente iluminou a questão do individuo, nascendo desde assinaturas em obras de artes, até entre outras coisas, a psicanálise. No entanto ao que parece, a cada segundo falta-nos perceber que não estamos sós, e que precisamos das pessoas.
Como evitamos qualquer interrupção na “correria” diária para refletir, viajamos para longe de nossas cidades agitadas, e acreditando estarmos em paz, somos tomados pela preguiça, que nos deixa paralisados e passivos, enquanto poderíamos proporcionar um momento de buscarmos algo em nós - mesmo, e assim olharmos um pouco diferente para os outros.
Mas se uma planta reage a uma aranha, imaginemos quanto somos afetados sem ter uma noção consciente disto, do momento que acordamos até irmos dormir, interagimos com um número infinito de seres vivos
Será que estamos sujeitados insensivelmente aos estímulos externos, com um funcionamento que mais parece com os das maquinas, e mais ainda desejando o conteúdo que apenas aparentamos ser? Porque fazemos tanta questão de nos vestirmos impecavelmente, ao mesmo tempo em que nossa alma se sente nua, ou não sabendo o que vestir?



texto publicado em 04/set 2009

http://www.diariodeguarulhos.com.br/jornal/dgnews/jornal/materia.jsp?id=7538&ca=50;