quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A repetição da culpabilização

Recentemente nossa sociedade acompanhou que algumas atitudes tendem a se repetir no processo histórico. O assassinato da menina Isabella Nardoni tornou-se de interesse geral e, depois de dois anos, o caso foi levado a júri popular.
Toda uma nação se comoveu ao vivenciar as dores causadas por esse crime brutal.
Poderíamos pensar o que levou tanta gente a acompanhar fielmente o julgamento como se fosse uma novela e a comemorar com bastante vibração a decisão final. Isso sem contar as dezenas de pessoas que passaram a semana em frente ao fórum para acompanhar de perto toda e qualquer movimentação. E que, ao saber do julgamento, comemoram a condenação com gritos eufóricos e fogos de artifício, como uma final de campeonato.
Será que esse comportamento, inconscientemente, nos isenta da culpa de pensar que, como estamos nas mesmas condições de humanos, poderia estar acontecendo a qualquer um de nós, mas não esteve? Temos infinitos exemplos de barbaridades na história cometidas por humanos.
O fato de encontrarmos um culpado possivelmente nos tranquiliza de tal culpa. No conto “O Alienista”, de Machado de Assis, o personagem protagonista, doutor Simão Bacamarte, acaba por julgar como loucos quase toda população da Vila de Itaguaí, internando-os em um hospital psiquiátrico. E, ao final, se descobre que o próprio doutor Bacamarte tem seus distúrbios psíquicos, mas considerava os outros como loucos a fim de ser considerado normal.
No Coliseu de Roma, os massacres eram acompanhados fervorosamente por um caloroso público. Na crucificação de Cristo, a maioria da população o apedrejava, insultava e apoiava os soldados. Na Idade Média, muitos foram queimados ou esquartejados em espetáculos a céu aberto. Atualmente, em algumas cidades onde existe pena de morte, as muitas pessoas disponibilizam seu tempo para acompanhar a execução da sentença ao vivo. Em todas essas ocasiões, estavam presente o ódio, a ira, mas por que será que existe tanta fixação em presenciar o espetáculo da culpabilização e punição? Por que é tão gratificante ver o outro ali num lugar que poderia ser seu? Clama-se por justiça conscientemente, mas o que está clamando o inconsciente?
Na atualidade, percebemos o quão lucrativo se torna noticiar episódios como o de Isabella. Vemos que alguns telejornais nos relembraram cotidianamente, durante a semana, o episódio, dando-nos a entender que não havia mais nada para ser noticiado.
Mas, afinal, que trabalho será feito como o casal julgado, dentro dos serviços penitenciários, a fim de reinseri-los na sociedade? O que esperar desses depositários de todo sentimento de raiva da sociedade? Como ficará a família dos acusados? E a mãe de Isabella, que, em consequência desta tragédia, viu sua vida ser devassada e virar caso de interesse público?
De uma coisa podemos ter certeza, haverá muitos outros casos semelhantes, onde pessoas se mobilizarão para condenar, julgar, punir e culpabilizar o outro, acreditando que estão fazendo justiça e se imunizando de qualquer culpa.

texto publicado em: 10/abr/2010
http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:6477058899909153::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:16704,A+repetição+da+culpabilização

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