quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A vital contagem regressiva

Ao observarmos o engenhoso ritmo cotidiano de nossas modernas metrópoles, percebemos que o cidadão comum, imerso pela sociedade do espetáculo e de consumo, encontra infinitas justificativas e obstáculos que não o deixam parar, parar de consumir, parar de movimentar-se na lógica capitalista como uma simples peça de engrenagem, parar para perceber as ligações estabelecidas com o meio, sendo atravessado por patologias modernas como a depressão, estresse, e tantas outras. Neste afogamento, dificilmente percebemo-nos nesse homem sem saída, que encontra em suas distrações, ações que não o fazem refletir sobre a própria existência, sobre o desenfreado e sonoro estilo urbano que, ao mesmo ritmo, fazem-nos perder nossa subjetividade, como gotas que pingam de uma torneira mal fechada, tornando-nos cada vez mais maquínicos, anônimos, fúteis, onde a separação, o retiro e o silêncio são insuportáveis universos para se estar.
Onde as relações tornam-se, em sua maioria, objetais. As exigências intrusivas das vozes persecutórias que fazem o homem moderno buscar incansavelmente o sucesso, o lucro, o prazer imediato, impedem-no de compartilhar a desordem criativa, a liberdade de movimento, a rir de forma que alimente sua alma, a desejar intensamente e não apenas consumir e produzir lixo, a praticar o inesperado, a viver além do agora, a se libertar de comportamentos submissos, humilhantes e estereotipados.
A modernidade, com globalização, nos oferta mensagens de uma pseudo conexão mundial, onde utopicamente acreditamos ser capazes de entender como funciona ou se porta uma cultura distinta, distante geograficamente, e isso infelizmente nos faz criarmos comparações, transposições culturais; faz-nos julgarmos a partir de nossa própria cultura, e assim, criarmos verdades inquestionáveis, que não nos contradizem, pois em quase tudo que nos cerca como televisão, rádio etc, não há questionamentos, não há incertezas, pois estas parecem ser angustiantes, e nesses lugares se vendem os prazeres, os sonhos dos outros, as buscas inalcançáveis da felicidade.
Porém, vivemos incontestavelmente o pior período da espécie no planeta e ainda assim não mudamos significativamente nossos hábitos. Será que estamos depositando a salvação da Terra em algum herói, presidente, ou país? Por que ainda não chamamos a responsabilidade para si?
Então vemos Stephen Hawking, o maior metafísico do planeta, recomendar as viagens espaciais a fim de encontrarmos lugares onde a vida humana possa ser possível. Por que perdemos a esperança do futuro melhor, desencorajamos de acreditar em uma sociedade livre, onde a divisão social do trabalho deixaria de apoiar as fraturas dos trabalhos complexos, onde as tarefas consideravelmente simples seriam generalizadas, onde o dever seria apropriado por todos e por cada indivíduo, onde tivéssemos a tomada de consciência da produção e responsabilidade, por exemplo, do lixo nosso de cada dia?
Por que nos parece tão distante acreditar numa sociedade onde pudéssemos então protestar coletivamente de maneira política, onde o olhar individual perderia gradativamente sua importância ao nos darmos conta da importância da ligação com o todo, o meio ambiente, onde nossas ciências talvez deixassem de enxergar esse minúsculo recorte da realidade, e ao invés de focar, ampliaria, acreditando finalmente que a menor das ações humanas envolve necessariamente o todo, o cosmos? Quais mitos ainda vivemos na contemporaneidade que nos fazem sobreviver, aceitar, estimular e sustentar nosso estilo de vida tão ecologicamente degenerativo?


Publicado em outubro de 2010
http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:3851046947909905::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:22562,A+vital+contagem+regressiva

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