terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mais amor ao próximo, por favor

Que sensação é essa que nos atravessa socialmente a ponto de não conseguirmos unir nossas revoltas, reclamações, indignações, ao ponto de queixarmos apenas individualmente, sozinhos na multidão?
Então a possibilidade da ação grupal costuma aparecer somente por passionais, como por exemplo, quando estamos torcendo por algum clube esportivo, religião etc. Porém, quando a indignação é política preferimos reclamar sozinhos, como quem fala com o vazio, como quem destrói mas não constrói.
Nesse sentido, acreditamos e fazem-nos crer que a democracia é exercida somente no ato do voto eleitoral. Não somos ensinados a pensar democraticamente e certamente nunca foi de interesse do Estado. Por isso talvez, vemos repetidos exemplos de oprimidos assediando outros oprimidos, de pessoas que reclamavam no passado e quando tomam o poder ainda insistem em agir do mesmo modo, com organizações hierárquicas piramidais, a organizações em rede, cooperativas. O empregado parece aceitar sua condição e sujeitá-la, porque no fundo acredita que um dia poderá ser patrão.
Quando vemos o estado de nossos transportes públicos oferecido à população, a massa trabalhadora em horário de pico, costumamos reclamar em silêncio, ou pior ainda, projetamos nossas angústias nos mais próximos, nos pares. Olhamos feio paras as cotoveladas espontâneas, paras as freadas bruscas, para quem dificulta a passagem, entre outros comportamentos que consideramos desagradáveis, mas não nos voltamos contra esses serviços a ponto de pensarmos algo que modifique a situação, pelo contrário, ainda estamos vulneráveis às constantes greves desse setor.
Que processo é esse que nos leva gradativamente a depreciar nossos patrimônios culturais e artísticos nacionais ao ponto de acreditarmos que às expressões modernas simplificadoras, obras produzidas a mares de distância, merecem mais nossos aplausos? Por que ainda preferimos os frutos das culturas colonizadoras?
O que será que nos impede de adentrarmos profundamente em nossa alma? Não considerarmos o outro nas mesmas condições quanto a capacidade e existência?
Alteridade e democracia, palavras que têm em si qualidades transformadoras e revolucionárias. Humildade e respeito, que idealizamos e talvez por isso distanciem-nos da prática minimalista e cotidiana. Ouvir, pensar, refletir, questionar, passos que ainda precisamos trilhar para uma sociedade menos hipócrita.
Humanizamos as coisas, e “coisificamos” pessoas, não de uma maneira poética como Manuel de Barros, mas sim de uma maneira incoerente como seres modernos e egoístas. Será que podemos considerarmo-nos evoluídos?
Quantas invisibilidades nos afetam num simples trajeto de casa ao trabalho? Abraços perdidos, sentimentos de irmandade nunca vividos. No momento em que olhamos um mundo que começa a repensar e coloca na balança o progresso e a destruição da natureza, poderíamos começar como o velho ditado, arrumando nossa gaveta.



publicado em outubro de 2010
disponível em: http://www.diariodeguarulhos.com.br/beta10/f?p=181:4:3608405130733489::NO:4:P4_ID,P4_PALAVRAS:23030,Mais+amor+ao+próximo,+por+favor

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